segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Resenha: AC/DC - Estádio do Morumbi / São Paulo


Sotaques dos mais variados, camisas e bandeiras de times de futebol de diversas regiões do Brasil, ruas completamente lotadas e um trânsito mais caótico do que o de costume anunciavam um evento diferenciado e gigantesco. Não, não era uma confraternização entre torcidas e muito menos entre estados brasileiros. Este era o clima encontrado, em pleno dia útil, assim que se chegava ao estádio do Morumbi, em São Paulo. Todos unidos com o mesmo propósito: saudar uma das mais cultuadas bandas do Rock’n’Roll, o AC/DC.

Outro espetáculo a parte era a diversidade, em todos os sentidos, dos fãs. Uma curta caminhada era o suficiente para se encontrar desde garotos de 12 anos, acompanhando seus pais, até senhores de 50 anos de idade. Isso sem falar na democracia e no notório respeito entre a platéia, que em algumas décadas atrás, principalmente no Brasil, era algo absolutamente impossível.

Pouco antes de os portões serem abertos, depois de horas e horas embaixo de um calor insuportavelmente infernal, os fãs foram sujeitados a enfrentar verdadeiros temporais. Após 40 minutos de atraso, às 16h40min, finalmente a organização do evento liberou a entrada dos quase 70 mil expectadores, que vibravam e cantavam alegremente a cada trovão da forte chuva.

Pontualmente às 20h30min, o ex-Ira!, Nasi, abriu a noite com um repertório de apenas 20 minutos, que contava com algumas músicas de sua carreira solo e covers como “Should I Stay Or Should I Go”, do The Clash, “Até Quando Esperar”, da Plebe Rude, “Mosca na Sopa” e “Sociedade Alternativa”, ambas do Raul Seixas e “I Wanna Be Your Dog”, do The Stooges. A apresentação do cantor teve a participação especial de Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura.

Com míseros cinco minutos de atraso, às 21h35min, os refletores do Morumbi foram apagados, revelando as milhares de tiaras com chifrinhos piscantes em todo o estádio – nunca foi tão lindo ver chifres na cabeça de alguém. No telão central, atrás da bateria de Phil Rudd, começou a ser exibido um desenho animado, no qual a banda aparecia em um trem desgovernado e em alta velocidade. Assim que os acordes iniciais da excelente “Rock N’ Roll Train”, faixa de abertura do álbum Black Ice (2008) foram executados, uma enorme locomotiva “rasgou” a tela em meio a explosões e fogo.

Logo depois veio “Hell Ain't A Bad Place To Be”, seguida de um dos maiores clássicos da história do Rock, “Back In Black”. Obviamente o público ficou completamente enlouquecido com a execução desta última. “Big Jack”, também do novo disco, com seu refrão “grudento”, fez a alegria dos fãs. Sem sombra de dúvida, a clássica “Dirty Deeds Done Dirt Cheap” foi responsável pelo Morumbi gritar e pular como nunca. Este foi um dos momentos mais empolgantes da noite.

O primeiro “presente” do sensacional Highway To Hell (1979) foi dado através da faixa “Shot Down In Flames”. Com a introdução de “Thunderstruck”, mais uma vez o estádio do Morumbi foi colocado abaixo, e o público que não parava de ecoá-la, tanto na fila quanto na pista, soltou o pulmão de forma ensurdecedora. Para surpresa de muitos, “Black Ice” teve um bom acompanhamento da platéia, que a cantou como se já fosse um hino.

A blues “The Jack” proporcionou um dos momentos mais engraçados da apresentação. Angus Young, que tem 54 anos, mostrou quase todo o magrelo físico e quando a multidão esperava que ele fosse revelar a pálida bunda, o guitarrista estava com uma cueca que trazia os dizeres “AC/DC” no traseiro. Enquanto Brian Johnson corria em cima da passarela colocada no meio da pista, um imenso sino descia da parte superior do palco, anunciando a maravilhosa “Hells Bells”. Logo na seqüência, também do clássico Back In Black (1980), veio “Shoot To Thrill”.

O AC/DC, assim como Ramones e Motorhead, toca exatamente da mesma forma com que iniciou a carreira. Músicas recentes como “War Machine” não decepcionam e poderiam muito bem estar em discos da década de 70 ou 80. No entanto, “Dog Eat Dog”, do poderoso Let There Be Rock (1977) e, principalmente, a contagiante “You Shook Me All Night Long”, botaram ainda mais lenha na fornalha causada pelo quinteto. O estopim da locomotiva definitivamente estava em alta voltagem.

Agora chegava a vez da “Tríplice Coroa” da noite. Três excelentes canções, originalmente gravadas pelo primeiro vocalista do AC/DC, Bon Scott: “T.N.T.”, “Whole Lotta Rosie”, que foi tocada com uma simpática e imensa boneca inflável sentada em cima do trem e “Let There Be Rock”, com direito a um grande solo de guitarra para qualquer um ficar de boca aberta - enquanto Angus Young tocava e era levantado por uma plataforma colocada no final da passarela central no meio da pista, uma linda chuva de papel picado quase fez sumir o carismático guitarrista.

Brian Johnson se despediu, mas os fãs sabiam que o bis não faltaria. Após poucos minutos, uma nuvem de fumaça vermelha tomou conta do palco e os acordes de “Highway To Hell” anunciavam o retorno demoníaco do grupo. Para a tristeza dos presentes, os canhões da lendária “For Those About To Rock (We Salute You)” já estavam em cena e simulavam tiros no refrão. O Morumbi parecia ter fôlego para mais, entretanto, passava-se duas horas de espetáculo movido pelo mais puro Rock’n’Roll. Para encerrar de vez, uma bonita queima de fogos cercou os quatro cantos do estádio.

Após 13 anos de amarga espera, pela terceira vez os brasileiros foram presenteados com mais um show do AC/DC, talvez o último da carreira. É verdade que os caras estão com três datas marcadas na Argentina e isso dói no cotovelo verde e amarelo. No entanto, depois de mais uma vez a Ticketmaster obrigar os fãs a praticamente se digladiarem por um simples ingresso, que não é nada barato para as condições econômicas do país, os quase 70 mil apaixonados saíram felizes e com a certeza de que assistiram a um dos espetáculos mais surpreendentes da história. Quem esteve no Morumbi teve a oportunidade de sentir o verdadeiro espírito do Rock’n’Roll. AC/DC, WE SALUTE YOU!!!

Set List – AC/DC / Morumbi – São Paulo

Rock N' Roll Train
Hell Ain't A Bad Place To Be
Back In Black
Big Jack
Dirty Deeds Done Dirt Cheap
Shot Down In Flames
Thunderstruck
Black Ice
The Jack
Hells Bells
Shoot To Thrill
War Machine
Dog Eat Dog
You Shook Me All Night Long
T.N.T.
Whole Lotta Rosie
Let There Be Rock

BIS:
Highway To Hell
For Those About To Rock (We Salute You)

Texto - Bruno Gazolla
Foto - M. Rossi

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Resenha: Faith No More - Maquinária Festival 2009 / São Paulo



Depois das grandes performances de Deftones e Jane’s Addiction, eis que o momento mais aguardado pelos 15 mil presentes estava prestes a ser realizado. Enquanto o show do Faith No More se aproximava e a ansiedade aumentava ainda mais, São Pedro resolveu dar o ar da graça e mandou uma bela chuva para refrescar a noite. Quem não gostou muito dessa idéia foi a organização do evento, que foi obrigada a secar e proteger a aparelhagem do palco.

Com aproximadamente 30 minutos de atraso, o público, que já gritava Faith No More alucinadamente, vai ao delírio quando as primeiras notas do teclado de Roddy Bottum anunciam a balada romântica setentista da dupla Peaches & Herb, “Reunited”. O palco estava com a iluminação bastante baixa quando, do lado direito, surge um dos vocalistas mais talentosos, criativos e performáticos da história do Rock.

Protegido por um guarda-chuva, o Senhor das Mil Vozes, Mike Patton, de terno vermelho com uma rosa pendurada na lapela, cabelo puxado para trás com o auxílio de gel, bengala, cinto branco e óculos preto, logo na primeira canção, já demonstrou que a ironia e a qualidade musical, assim como nos anos 90, continuam sendo grandes aliadas do Faith No More.

Na seqüência, emendaram o primeiro clássico da apresentação, direto do álbum The Real Thing (1989), “From Out Of Nowhere”. Foi no início desta música que Patton falou as primeiras palavras em português. Dois belíssimos palavrões, “porra, caralho”, que mais tarde se tornariam uma espécie de “hino” entre ele e a platéia. No refrão, o doentio jogou o pedestal do microfone na área da imprensa e, sem intenção, acertou a cabeça de um fotógrafo do grupo Abril – no entanto, acalmem-se, o vocalista do FNM não está foragido, pois o profissional da Abril não corre risco de morte.

O disco Angel Dust (1992) chegou em grande estilo com “Be Agressive” seguida de “Caffeine”, ambas fizeram a multidão cantar e pular o tempo inteiro. Nas duas músicas, destaque para a precisão do baterista Mike Bordin, que mesmo com seus 46 anos, toca com a mesma técnica e qualidade que o consagraram. O grito entalado desde 1995 – última vez em que o FNM tocou no Brasil, no extinto festival Philips Monsters of Rock – parecia ser colocado para fora. No final de “Be Agressive”, em reconhecimento à entrega dos paulistas, Patton disse “São Paulo, vocês ganharam”! Será que ganhamos como o “Melhor Público da Second Coming Tour”? Só Patton poderá confirmar...

Assim como em 95, “Evidence” foi cantada em um português totalmente compreensível. A única diferença foi que, desta vez, o funk canastrão, foi dedicado ao Zé do Caixão. “Surprise! You’re Dead” fez a Chácara do Jóquei bater a cabeça sem parar. Destaque para os riffs cortantes de Jon Hudson que, desde 97, assume com excelência o posto de guitarrista. A primeira do Album Of The Year (1997), “Last Cup Of Sorrow”, foi cantada em alto e bom som por todos os presentes e, Mike Patton, com o auxílio de seu tradicional megafone, deu uma aula na variação de vocais. Assim que a música terminou, um “obrigaaaaado São Paulo” partiu do fundo da alma do vocalista.

Agora, gostaria de abrir um parênteses pessoal para falar sobre a próxima obra-prima da carreira do Faith No More. Não pude acreditar quando ouvi os acordes iniciais de “Ricochet”. Fui imediatamente transportado aos anos 90. Era como se eu revivesse a emoção de pegar o King For A Day, Fool For A Lifetime (1995), um dos melhores e mais inovadores álbuns da década, e esperar ansiosamente pela faixa 2. Confesso que os olhos lacrimejaram ao presenciá-la ao vivo, com o Faith No More a poucos metros de distância. Sem dúvida, em minha opinião, um dos momentos memoráveis da fantástica apresentação. Infelizmente, qualquer comentário a mais, não estará à altura deste momento insuperável.

É óbvio que a baladinha “Easy”, cover do Commodores, não faltaria. Essa, assim como “Epic”, fizeram a alegria daqueles que tudo o que conhecem do Faith No More não vai além disso – felizmente, no caso do Maquinária, eram a minoria. Entretanto, para eles, devido a esse momento, toda a fortuna investida no ingresso foi compensada, não é mesmo?

A divertida “Caralho Voador”, com passagens em língua nacional, foi antecedida por mais um sucesso da carreira, “Midlife Crisis”. Esta foi iniciada pelo comentário “tudo bem, paulistas”? - grande Mike conquistando a galera com o seu afiado português. Logo depois, foi a vez da excelente - quase hardcore - “The Gentle Art Of Making Enemies”, com pegada impressionante e entrosamento perfeito, e “King For A Day”, para acalmar um pouco os ânimos mais exaltados.

Um dos momentos mais comentados do primeiro dia do festival, sem dúvida, aconteceu no final de “Just A Man”. O ousado vocalista desceu do palco para incentivar os fãs que estavam na área VIP a gritar “porra, caralho!”. Segundos depois, foi incrível e divertidíssimo ver e ouvir o coro de palavrões que tomou conta da Chácara do Jóquei. Como se não bastasse, o “dono da noite”, Mr. Mike Patton, teve a audácia de dar um “selinho” (sic) em um rapaz que estava na grade. E tem mais, o ocorrido só não gerou novos frutos porque o fio do microfone não chegava mais longe. Como vocês podem imaginar, quem não gostou nada dessa atitude foram os seguranças.

Pausa para tomar fôlego e o Faith No More retorna para o bis. Mais uma vez, algo extremamente inusitado acontece: depois de Patton ter dado a horrível notícia de que provavelmente aquele seria o último show do Faith No More que os brasileiros veriam, o baixista Billy Gould dedicou a música seguinte ao Palmeiras. Patton vai no embalo e grita, acompanhando por um sampler de “olê, olê, olê, olê” o nome do time alviverde de Parque Antártica – revolta de alguns e satisfação de outros, como a minha! Um trecho de “Chariots Of Fire”, do compositor grego Vangelis, antecedeu “Stripsearch” e, logo após, “We Care A Lot”, a única da fase Chuck Mosely, primeiro vocalista do grupo, teve todos os versos literalmente berrados pela platéia.

Para encerrar a noite magistral, veio o excelente cover do pianista americano Burt Bacharach, “This Guy’s In Love With You”, que, só para variar, pode-se destacar o inatingível e surpreendente vocal de Mike Patton. Quando todos achavam que o show se encerraria naquele momento, a empolgante introdução de “Digging The Grave” trouxe a adrenalina de volta e fez a Chácara do Jóquei estremecer.

Em uma época em que o Rock se tornou extremamente comercial e aceitável, o Faith No More provou que ainda é possível fazer um show com garra, qualidade, sinceridade e, principalmente, amor à música. Sem dúvida alguma, o dia 7 de novembro de 2009 ficará registrado na memória de todos os que tiveram o imenso prazer de conferir a apresentação, que pode ter sido a última no Brasil, de uma das melhores bandas dos últimos 28 anos.


Set List – Faith No More / Maquinária – São Paulo

Reunited
From Out of Nowhere
Be Agressive
Caffeine
Evidence
Surprise! You’re Dead
Last Cup of Sorrow
Ricochet
Easy
Epic
Midlife Crisis
Caralho Voador
The Gentle Art of Making Enemies
King for a Day
Ashes to Ashes
Just a Man

BIS:
Stripsearch
We Care a Lot
This guy is in love with you
Digging the Grave

por Bruno Gazolla